“E se…”: A cheia e a incúria

Infelizmente, mais uma vez, todo o vale do Mondego sofreu mais uma cheia que destruiu bens, meios de produção industriais e agrícolas, afetou transportes e deixou com o coração nas mãos vários milhares de pessoas. Tudo isto, para além de desanimador, é absolutamente desesperante. É verdade que no Inverno chove e, apesar de darem nomes fofinhos às intempéries, os efeitos do mau tempo podem resultar em estragos significativos. No entanto, construiu-se há cerca de 40 anos um sistema, denominado Empreendimento de Fins Múltiplos do Baixo Mondego, que visava controlar a natureza rebelde do rio Mondego e seus afluentes, evitando assim as cheias frequentes que alagavam a cidade de Coimbra e as populações até à Figueira-da-foz. Esse sistema, apesar de muito bem pensado, não é, nem poderia ser, infalível, mas foi planeado para ser capaz de evitar a maioria das situações que davam origem a cheias.
Na verdade, desde que entrou em funcionamento, e enquanto o sistema era novo (não eram críticos os efeitos de ausência de manutenção), não houve problemas de maior. No entanto, em 2001, regista-se de novo uma grande cheia em todo o vale do Mondego.

Nessa altura, assim como nas cheias seguintes de 2016 (duas consecutivas nesse mesmo ano), os relatórios de análise da situação apontavam causas gravíssimas:

1) Total ausência de manutenção do sistema, o que, como é fácil de entender, potenciava falhas nos equipamentos, e com isso eventos graves de cheias e perdas de bens materiais, para além de colocar em risco a vida humana, por deficiente funcionamento do sistema;

2) O facto de ser uma obra inacabada, isto é, não tinham sido regularizados, como fazia parte do projeto original, os vários afluentes do Mondego, faltavam equipamentos (por exemplo, das 6 bombas de alto débito planeadas para estar a jusante do açude e que deveriam retirar do rio aproximadamente 500 m3/s de água, só uma tinha sido instalada);

3) O facto de ser uma obra com 40 anos, projetada num determinado cenário, tendo em conta a ocupação do território e as opções tecnológicas da altura. Todas as obras de engenharia têm de ser avaliadas, de tempos a tempos, revisitando os projetos, de forma a adaptá-las à nova realidade e melhorar o seu desempenho tendo em conta novas soluções tecnológicas. Em 40 anos, para além de não ser mantido, este empreendimento não foi revisitado;

4) O facto de não existir nenhuma entidade de gestão que permitisse garantir as tarefas acima mencionadas, mas também monitorizar o rio e os seus afluentes e instalar sistemas de vigilância essenciais para uma resposta célere, segura e eficaz. Uma entidade de gestão que tivesse ainda a autoridade necessária para avaliar qualquer obra que fosse planeada na sua área de intervenção, acautelando assim a eficácia global do sistema;

5 ) Não foi ajustada, à medida da evolução dos tempos e das novas circunstâncias, a forma como eram/são geridas as barragens do Mondego, nomeadamente a Aguieira, exigindo parâmetros de gestão não somente economicistas e mais adaptados ao dia-a-dia das populações. Por exemplo, existem relatos, não confirmados, de que nesta cheia de 2019, a barragem da Agueira esteve em risco sério de colapso. O que torna incompreensível o cancelamento, em 2016, da Barragem de Girabolhos. Na verdade, essa barragem, que fazia parte do plano original de intervenção no rio, foi cancelada em 2016, também, por este ministro que agora queria mover aldeias. O presidente da Endesa, Nuno Ribeiro da Silva, diz que a obra não avançou em 2016 por “pressão política” do Bloco de Esquerda e do Partido Ecologista Os Verdes, que queriam rever os termos do acordo que já tinha sido assinado. É importante que isso seja esclarecido com urgência.

Acresce que o rio Mondego, por exemplo, sofreu obras de desassoreamento em 2017 e 2018. No entanto, os inertes removidos do leito do rio foram usados para fazer um aterro gigantesco a jusante do açude e uma parte para uma nova praia fluvial a norte do açude. A QUERCUS alertou nessa altura para a insensatez desse aterro, fazendo vários avisos de que os efeitos seriam os de potenciar novas cheias e dificuldades nas terras a jusante de Coimbra. Bateram na porta errada, ninguém lhes ligou. As consequências estão à vista.

Para além disso, com incêndios, ausência de limpeza das matas, total desordenamento da floresta, etc., os resíduos florestais, matéria ardida, etc., vão parar ao rio sempre que as condições climatéricas são adversas. Basta ver a quantidade enorme de árvores partidas que o rio transportava, muitas das quais são ainda visíveis nos pilares da Ponte Pedonal, da ponte de Santa Clara e no Açude. Tudo isso contribuiu para esta cheia, para a pressão sobre os diques e para o colapso de todo o sistema.

Ao contrário do que disse o insensato Ministro do Ambiente, que, depois de ter autorizado um Aeroporto Internacional no estuário do Tejo, queria mudar de sítio as aldeias de Montemor, não precisamos de mudar as aldeias de sítio. Precisamos que aprendam que não podem construir em leito de cheia, que temos de respeitar o rio, mas acima de tudo, que temos todos de exigir que o sistema de engenharia desenhado para o controlar seja revisitado, revisto, finalizado, mantido, gerido e monitorizado. Isso é essencial para o nosso futuro e não pode continuar desta forma. São os cidadãos que o têm de exigir, pois por iniciativa das autoridades públicas isso não irá acontecer, como os factos demonstram.

Texto publicado no Diário As Beiras de 28 de Dezembro de 2019

Agradecimentos: Miguel Franco e Álvaro Cadima, pela cedência de imagens.

Indústria 4.0: Uma ideia estratégica para Coimbra

Este programa foi gravado durante da apresentação do livro “Controlo e Automação Industrial – Indústria 4.0” que se realizou no dia 16 de Maio, na livraria Bertrand (Centro Comercial ALMA em Coimbra). O E se…é um Programa de J. Norberto Pires, para o Coimbra Canal, com a realização de Rijo Madeira.

Este episódio, pela relevância das intervenções, reflete uma visão e uma estratégia industrial e de cooperação universidade-indústria para Coimbra

Um dos assuntos em que penso que Coimbra tem condições para ter um papel relevante é o da estratégia nacional para a Indústria 4.0. Envolvi-me em inúmeras iniciativas em consórcio, liderei e/ou fiz parte de vários grupos de trabalho que visavam construir competência, agregar pessoas e iniciativas diferenciadoras, individualmente demonstrei interesse neste assunto, reuni financiamento (nacional e comunitário), procurei agregar grupos nacionais e estrangeiros, constituindo consórcios competitivos, e apresentei realizações.

A região de Coimbra, no entanto, foi deixando passar o barco. Outras regiões, como por exemplo Braga e Guimarães (Universidade do Minho), como muito menos trabalho inicial realizado, tomaram a dianteira e, associados a grandes grupos económicos (como a Bosch, por exemplo), apresentam-se como pontas de lança de uma estratégia que tem enorme potencial científico, industrial e de criação de emprego.

Seria importante que as entidades que gerem a região, nos aspetos científicos, técnicos, formativos e operacionais, fossem capazes de a pensar a médio e longo prazo, identificando as oportunidades, os investimentos e a capacidade de definirmos estratégias que permitam desenvolver e diferenciar a região.

Ao invés, vivemos em pequenos mundos, cheios de pruridos e preconceitos, isolados uns dos outros, incapazes de perceber que neste rumo, nesta indiferença, tudo nos passará ao lado, sucessivamente, num caminho que terá como resultado o que é já evidente: a irrelevância.

A indústria portuguesa é uma indústria de nicho. Nunca será, até pela dimensão do país, uma indústria de produção em larga escala. Nessa perspetiva, dependeremos sempre, e ainda bem, da competência humana, do saber fazer com qualidade, aliando aspetos tecnológicos digitais, robotizados e automáticos, com aspetos que exigem intervenção humana em considerável escala.

Os mercados para que respondemos e dirigimos os nossos produtos, procuram diferenciação, qualidade e um conjunto de mais-valias que recomendam a incorporação de trabalho humano. Estão, por isso, preparados para pagar mais por essa qualidade e diferenciação.

Consequentemente, uma estratégia nacional para a Indústria 4.0 deve incorporar os objetivos de países como a Alemanha, Japão e países asiáticos, por exemplo, mas realizando uma estratégia adaptada aos objetivos que queremos atingir.

Nessa perspetiva, tecnologias em que nos podemos diferenciar, como a fabrico aditivo / impressão 3D de metais e cerâmicas técnicas, aplicados a inovadores processos de fabrico, deveriam merecer uma atenção especial da CCDRC, da Câmara Municipal, mas especialmente da Universidade e do Politécnico.

Este programa é um contributo para essa estratégia que urge desenvolver. Foi realizado durante a apresentação do livro “Automação e Controlo Industrial – Indústria 4.0” e conta com a participação de:

Amilcar Falcão – Reitor da Universidade de Coimbra

Luís Simões da Silva – Vice-Reitor da Universidade de Coimbra

Ana Lehmman – Professora da Universidade do Porto e ex-Secretária de Estado da Indústria

António Mira – Diretor da Automação e Indústria da Siemens Portugal

Ricardo Patrício – CEO da Active Space Automation

Frederico Annes – CEO da Lidel

J. Norberto Pires – Professor da Universidade de Coimbra

“E se…” Perguntas sobre a Maternidade de Coimbra

Recentemente, um grupo de trabalho nomeado pelo Governo apresentou um relatório em que recomendava a construção de uma nova Maternidade em Coimbra, no espaço dos atuais Hospitais da Universidade. Outras opções, como reinstalar os atuais serviços no Hospital dos Covões, na maternidade Bissaya Barreto ou no Hospital Pediátrico foram liminarmente afastadas. A decisão, prontamente anunciada pela ARS do Centro e pelo PCA dos CHUC, na presença do Ministro da Saúde, é de tal forma estranha que causou de imediato polémica. Na verdade, quem conhece minimamente o espaço dos HUC, cheio de trânsito, sem estacionamento, com gravíssimos problemas urbanísticos no espaço circundante, sobrelotado, estranhamente desorganizado e onde são frequentes todo o tipo de situações médicas nos serviços de urgência e de ambulatório, nomeadamente gravíssimas infeções resistentes, não poderia deixar de estranhar como é que se pretende instalar uma maternidade naquele espaço. Os argumentos ainda eram mais estranhos, pois centravam-se na segurança das grávidas e recém-nascidos, aparentemente dependente da proximidade física aos serviços de emergência (blocos operatórios e serviços de cuidados intensivos) e da capacidade de mobilizar rapidamente várias especialidades. Projeta-se então construir 13.000 m2 na zona leste dos HUC, ocupando o atual espaço da enfermaria masculina da psiquiatria e de uma enfermaria de neurologia. No referido relatório nada se dizia sobre novos blocos operatórios, salas de parto ou unidades de recobro, mas, depois de algum debate, passou a dizer-se que, afinal, existiriam espaços independentes dessas tipologias dedicados à nova maternidade. Como nada disso está no projeto apresentado, começamos já com uma originalidade que é ter um deslize orçamental ainda antes de a obra começar. Ou será que se prevê é mesmo compartilhar espaços assistenciais com os usados pelos doentes do resto do hospital? Pelo meio lançaram-se números assustadores: 20% das grávidas estariam em risco e, pasme-se, de um momento para o outro o funcionamento das maternidades existentes, ainda há pouco considerado de excelência, passou a ser classificado de “criminoso”.
As minhas perguntas começam aqui, depois de ter ouvido muita gente, entre profissionais de saúde, políticos, cidadãos em geral, incluindo aqueles que são um pouco de tudo isto.
1) Se as maternidades têm de ser reorganizadas e fundidas, por que razão não podem ser usadas as instalações da Bissaya Barreto? Se é necessário construir um novo bloco e até unidades de recobro à parte, porque não se faz isso na maternidade? Quem tem de se deslocar são os especialistas sempre que necessário. E os mesmos deveriam ter meios de transporte rápido para percorreram os poucos mais de 500 metros entre os HUC e a Bissaya Barreto.
2) Dos 20% de eventos registados em grávidas, quantos são exatamente não antecipáveis, graves e emergências? E desses, quantos não poderiam ser resolvidos, com total segurança, numa maternidade renovada em instalações e meios humanos?
3) Por que razão não pode a nova maternidade ser instalada nos Covões, que tem todas as condições para a acolher, incluindo blocos já montados e unidade de cuidados intensivos, e ainda as condições necessárias para os utentes e seus familiares: enfermarias, espaço, estacionamento, etc.?
4) O que leva a comissão a preferir o espaço sobrelotado dos HUC, construindo mais um edifício, a soluções bem mais simples, aparentemente mais seguras e talvez menos onerosas? E como ou onde vai reinstalar os serviços que remove dos HUC? Por exemplo, a psiquiatria vai de novo ser estigmatizada para um getto, como o antigo pediátrico ou para o Sobral Cid, ou vai, em parte, ser encaixada noutros lados, proporcionando assim mais um downsizing disfarçado de inovação?
5) Se a presença nos HUC é essencial por uma questão de proximidade a cuidados intensivos e outras especialidades no caso das grávidas, o que dizer de todos os serviços desconcentrados dos HUC que funcionam um pouco por toda a cidade e não têm essa proximidade? Não interessam? Não necessitam? Serão aqueles serviços dedicados a velhos, incuráveis ou descartáveis, já com a morte no horizonte das suas vidas? Qual é a razão desta diferença de tratamento? Não deveria o cuidado ser igual para todos? Não deveria a tal comissão, que “resolve” liminarmente todos os problemas de ordenamento e de circulação sobrelotada da zona com a proposta de construção de um silo auto, considerar as consequências para os doentes dos serviços deslocalizados?

Estas perguntas, e muitas outras, fui fazendo durante as últimas semanas e não obtive resposta. Gostava de ter resposta e gostava de lembrar que a saúde é de tal forma importante para Coimbra e para todos os cidadãos que não pode, de forma alguma, estar somente na mão de alguns.

Uma vida que ardeu, uma esperança que é necessário reconstruir

Oliveira do Hospital ardeu depois de Pedrógão. Morreram muitas pessoas, várias famílias ficaram destruídas e isso nunca ficará bem e nunca se resolverá. São marcas que ficam para a vida toda, são memórias que voltam, de tempos a tempos, e atormentam.

O que ardeu foi praticamente tudo. Ardeu a floresta e espaço verde de lazer. Na verdade, o verde praticamente desapareceu.

(9º episódio do programa “E se…”, um programa que faço para o COIMBRA CANAL, com a realização de Rijo Madeira)

Arderam as empresas e o emprego de muita gente. Depois das mortes, este é o drama mais significativo.
Os custos associados a estes incêndios medem-se em vidas perdidas, famílias destruídas, floresta perdida, negócios arrasados e um efeito muito significativo na esperança num futuro melhor. De tudo, apesar de certas coisas não terem solução, o mais difícil de recuperar é o ânimo necessário recomeçar tudo de novo. Esse é o maior custo, porque apesar de tudo a vida continua, e aquele aspeto que merece uma atenção muito especial.

Os incêndios deste verão mostram um país desorganizado e impreparado para estes eventos naturais. O “E se…” quis mostrar essa realidade, deixando claro que é nossa obrigação garantir que vamos construir um país que estará preparado e é solidário com quem é atingido pela calamidade. E essa é uma resolução que todos temos de tomar e realizar.
Exige-se que o Governo e as entidades regionais percebam que esse processo de reconstrução exige incentivos muito significativos, de pelo menos 85%. Eu diria que o país tem a obrigação de apoiar quem perdeu tudo e quer renascer, produzir e criar emprego.

Ouvimos os empresários que nos falavam de uma discriminação negativa de Oliveira do Hospital, referindo que o apoio prometido pelo Governo teria aqui um incentivo (70%) menor do que em Pedrógão (85%). Não percebemos a discriminação, nem a aceitámos. Aliás, consideramos que os incentivos deveriam ser até superiores a 85% nos dois locais, pois estes incêndios mostraram também uma completa falência do Estado e dos serviços de proteção civil.
Tem a palavra o Governo e a CCDRC.

Esperamos que o Senhor Presidente da República esteja atento ao que está a acontecer e atue no sentido de acelerar os apoios e garantir que se efetuam com a dimensão necessária.

“E se…” do Coimbra Canal: os primeiros 8 episódios

“E se…” é um programa de televisão sobre Coimbra que faço no Coimbra Canal com a realização de Rijo Madeira. Foram vários os temas já abordados, procurando mostrar aspetos que deveriam merecer a atenção de todos os que gostam de Coimbra.

 

No 1º episódio falamos de espaços de localização empresarial

 

No 2º episódio falamos sobre a baixa de Coimbra

 

No 3º episódio o tema foi o “Convento de Santa-Clara-a-Nova e a Bela Adormecida”

 

No 4º episódio o tema foi “Imagine um concelho que se preparou para o investimento”

 

No 5º episódio o tema foi “A praxe: receção aos caloiros”

 

No 6º episódio foi “Nos próximos 20 anos… REALIZAR”

 

No 7º episódio o tema foi “A rua da sofia e um futuro por realizar”

 

No 8º episódio o tema foi “Coimbra com futuro: Active Space “

 

Fique atento. O “E se…” publica um episódio todas as semanas.

Coimbra com futuro: Active Space Automation

(8º episódio do Programa “E se…”). Um programa que faço para o Coimbra Canal, com a realização de Rijo Madeira)

A região de Coimbra tem sido capaz de gerar tecnologia e negócios que se distinguem no mundo. São vários os exemplos de empreendedores, empresas e produtos que têm o nome de Coimbra de alguma forma associado. No “E se…” vamos falar dessas pessoas, dessas empresas e desses produtos. A ideia não é mentir e dizer que está tudo bem. A ideia é contar a verdade, mostrar que com a estratégia certa, com a capacidade coordenar os vários atores da região, com a capacidade de incentivar os motores de desenvolvimento, Coimbra tem condições para fixar empreendedores, atrair e fixar atividade económica e construir soluções que podem fazer a diferença nas várias áreas de atividade.

Hoje vamos ver o exemplo da Active Space Automation, uma empresa recentemente criada como spin-off da ActiveSpace Automation – empresa criada há cerca de 13 anos e que se dedica a sistemas para o ESPAÇO.
A indústria pede sistemas de transporte para armazenamento e para ambiente produtivo.
Em armazém, por exemplo, existem várias tarefas a automatizar e que estão essencialmente ligadas ao transporte de peças para armazenar ou para constituir uma encomenda que, entretanto, foi efetuada. Um grande armazém com, por exemplo, a AMAZON ou o ALIBABA têm uma movimentação frenética que precisa deste tipo de máquinas.

De uma maneira geral, qualquer armazém com encomendas online beneficia muito de uma operação deste tipo que automatize e agilize a cadeia logística.

Em ambiente produtivo, isto é, para tarefas de alimentação de linhas com as peças necessárias, transporte de produtos semiacabados, armazenamento intermédio e final, etc., os AGV são também muito usados.

Em Coimbra, uma empresa aceitou o desafio de entrar neste mercado. Criou um AGV que pode ser utilizado em todas essas tarefas.

A empresa é a Active Space Automation e o AGV é o ActiveONE.

A Active Space Automation tem 14 trabalhadores (50 no total da Active Space) e espera faturar cerca de 700 mil euros em 2017 (3 milhões no total da Active Space). Está localizada em Taveiro e tem excelentes condições para desenhar, projetar, construir e comercializar soluções que utilizem esta tecnologia.
Capacidade de projeto em 3D.
Capacidade de desenvolvimento de eletrónica.
Capacidade de soluções de controlo.
Meios de produção de protótipos.
Capacidades de teste.

Uma equipa jovem e fortemente motivada para este tipo de soluções.
Um dia (em 2015), com um protótipo, abordaram uma grande empresa (A AutoEuropa) e prometeram que teriam um produto em breve. Cumpriram prazos e ganharam um parceiro.

Mas o que é o ActiveONE?
É um AGV, filo-guiado, isto é, que segue um trilho eletromagnético colocado no chão (o trajeto), de construção nacional e que pode ser usado nas soluções mais exigentes: é preciso, rápido (1500 mm/s), com elevada capacidade de autonomia (em operação normal as baterias não precisam de carga durante mais de 7-8 horas), capacidade de movimentação de carga até 800 kg, ligação em rede sem fios, etc.

Deixo-vos com o ActiveOne e com a Active Space Automation. Este produto, estes empreendedores e esta empresa são um exemplo do que Coimbra pode fazer e como pode liderar mesmo nas áreas mais exigentes. São um bom exemplo de visão, de capacidade de fazer parcerias, da capacidade de realizar e mostram um vislumbre de uma região onde as coisas acontecem.

E se Coimbra estivesse focada nessa ideia de criar as condições para projetar e produzir as soluções tecnológicas do futuro?

Não seria tudo diferente?

A Rua de Santa Sophia e um FUTURO POR CUMPRIR

A Rua de Santa Sophia e um FUTURO POR CUMPRIR

Uma rua fantástica, com história e um potencial fabuloso: A Rua de Santa Sophia, de Coimbra (atualmente, Rua da Sofia). É esse o tema do 7⁰ episódio do “E se…”, um programa que faço para o COIMBRA CANAL, com a realização de Rijo Madeira.

O rei D. Dinis criou em 1290 uma Universidade Portuguesa, dando origem a uma instituição que é hoje a universidade mais antiga do país e uma das mais antigas do mundo. O documento de criação da universidade dá origem ao Estudo Geral que é reconhecido nesse mesmo ano pelo Papa Nicolau IV. Essa Universidade começou a funcionar em Lisboa, mas foi transferida definitivamente para Coimbra em 1537 por ordem de D. João III. A vida da Universidade prossegue em Coimbra, com várias peripécias até atingir aquilo que é hoje: uma universidade internacional, clássica, com forte imagem em Portugal e no Estrangeiro, fruto do prestígio dos seus docentes, alunos, investigadores e da atividade científica e cultural que realiza.

Não é sobre a Universidade de Coimbra que vos quero falar, mas sim de uma das ruas mais antigas da europa e que esteve na génese da Universidade de Coimbra e é hoje património mundial da UNESCO: a Rua da Sofia.

A transferência da universidade portuguesa de Lisboa para Coimbra está relacionada com a necessidade de lhe dar um novo impulso. Os anos de funcionamento em Lisboa levaram a uma certa acomodação do corpo docente, não se desenvolveram colégios de apoio com a função de realizar estudos propedêuticos, como o rei esperaria que tivesse acontecido, o programa de estudos não estava alinhado com os vetores essenciais do humanismo cristão de vanguarda e existia uma grande quantidade de alunos portugueses que procuravam escolas estrangeiras para estudar, nomeadamente, Salamanca, Alcalá (uma pequena cidade situada a nordeste de Madrid), Bolonha, Florença, Paris, entre outras. D. João III, reconhecendo o problema, decidiu então criar em Coimbra um dos “grandes centros culturais da península”, transferindo para esta cidade, construída nas margens do rio Mondego, a universidade portuguesa.

O rei dispunha de importantes fundos financeiros para lançar o projeto universitário na cidade de Coimbra. Na verdade, tinha iniciado uma importante reforma (espiritual e material) do Mosteiro de Santa Cruz, nomeadamente da Ordem dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho ou Cónegos Regulares da Ordem da Santa Cruz, libertando assim para sua gestão os abundantes rendimentos que estes geravam. Tinha nomeado em 1527 como reformador da respetiva congregação o frade da Ordem de São Jerónimo Frei Bás de Braga, com a missão suplementar de restaurar os Estudos do Mosteiro de Santa Cruz. Mandou vir de Paris dois Doutores, Pedro Henriques e Gonçalo Álvares, que gozaram de tal fama como professores que Frei Brás criou, no interior do Mosteiro, dois colégios: O Colégio de São Miguel (dedicado aos filhos dos nobres) e o Colégio de Todos os Santos (dedicado aos mais pobres). Mais tarde, em 1544, o Prior-Geral (D. Dionísio de Morais), mandou construir, no topo da Rua da Sofia (no local que é hoje o Centro de Artes Visuais e o Pátio da Inquisição), edifícios para os dois colégios, os quais seriam mais tarde (1547) requisitados por D. João III para instalar o Colégio Real das Artes e das Humanidades.

O Mosteiro de Santa Cruz desenvolvia vários estudos no seu interior, que no essencial são os embriões de um futuro estudo superior. Desempenham aqui papel importante os estudos públicos de artes que se iniciaram em 1534-35 e os estudos dos Colégios de Santo Agostinho e de São João Batista, instalados no interior do Mosteiro e para os quais se tentou um modelo à imagem da escola parisiense (limitados a estudos de Artes, Teologia e Medicina). A dinâmica do Mosteiro de Santa Cruz levou a pensar na construção de uma infraestrutura urbana para acomodar os estudos a criar junto ao Mosteiro. Foi assim que nasceu a ideia de uma rua nova, virada a norte, com início no Mosteiro de Santa Cruz, muito larga (13 metros) e cerca de 500 metros de comprimento, que tivesse colégios de um lado (nascente) e edifícios de rendimento do outro (poente). O desenho definitivo dessa rua ficou definido em setembro de 1535, depois de vária troca de correspondência entre D. João III, o reformador Frei Brás de Braga e o arquiteto do Rei em Coimbra, Diogo de Castilho.

Os planos iniciais para esta rua são os de aí realizar o essencial da Universidade, pois D. João III pretendia construir no início da rua um Colégio de São Jerónimo e um edifício letivo central. No entanto, quando em 1537 se transfere a universidade portuguesa para Coimbra parece haver uma mudança de planos: o Rei D. João III separa os estudos do Mosteiro de Santa Cruz da universidade, nomeando um Reitor (D. Garcia de Almeida) independente de Santa Cruz e definindo que o edifício sede já não se construiria na baixa. A preocupação era, talvez, a de preservar a autonomia da universidade.

Em setembro de 1537, o rei determina que as novas escolas gerais se instalassem na alta da cidade, fazendo, no entanto, algumas cedências ao reformador Frei Brás de Braga (pois dependia financeiramente do dinheiro gerado em Santa Cruz): a maior parte dos estudos instalavam-se nos paços reais da alta, enquanto que os estudos de artes e teologia ficavam em Santa Cruz.

O loteamento da Rua da Sofia começa em 1538, no que se refere à parte de prédios de rendimento e em 1541 no que se refere aos colégios. Avançariam vários colégios, dos quais podemos dar nota na atual Rua da Sofia. Mas antes disso, em 1544, com a nomeação do frade da Ordem de São Jerónimo Frei Diogo de Murça como reitor da universidade, deu-se início ao processo de unificação da universidade, transferida de Lisboa, com os estudos de Santa Cruz. Isso acontece em 1545, quando D. João III ordena que todos os lentes de medicina, teologia, artes e latim, mudem para os paços reais da alta.

Nessa altura, avançava a ideia de concentrar na alta da cidade os estudos superiores e na baixa os cursos propedêuticos/preparatórios de artes e humanidades. Uma ideia que reconvertia o projeto da rua da sofia, agradava a Frei Brás de Braga e tinha sido delineado entre D. João III e André de Gouveia, um docente muito prestigiado que dirigia o Colégio da Guiana em Bordéus e tinha sido reitor da Universidade de Paris. Assim, a Rua da Sofia deveria acomodar principalmente colégios de ordens religiosas que tinham especial interesse nesse tipo de estudos. Os colégios seculares que estavam então em fase de instalação foram transformados em colégios de ordens religiosas. Por exemplo, o Colégio da Graça, dos eremitas calçados de Santo Agostinho, iniciou a sua construção, com projeto de Diogo Castilho, em 1543.

O Real Colégio das Artes e das Humanidades, instalado nos edifícios dos Colégios de São Miguel e de Todos os Santos (local onde hoje é o Centro de Artes Visuais e o Pátio da Inquisição), iniciou-se em 1547 e era um edifício que deveria ter amplas salas de aula e albergar estudantes de vários estratos sociais. O ensino visava a formação moral e humanística dos jovens, sendo ministradas matérias como a teologia, dogmática, escrituras, gramática, retórica, poesia, matemática, grego, hebraico, lógica e filosofia, além de ler e escrever. O Colégio das Artes está na génese do atual ensino secundário. As aulas começaram em 1548, tendo registado um elevado sucesso com cerca de 800 alunos logo no primeiro ano.

No entanto, a existência do Colégio das Artes não foi pacífica por disputas internas de mestres parisienses e bordaleses. Na verdade, André Gouveia tinha sido nomeado para dirigir o Colégio das Artes, trazendo consigo uma equipa de notáveis professores portugueses e estrangeiros. De entre estes destacam-se João da Costa, Diogo de Teive, António Martins, George Buchanan, Patrick Buchanan, Nicolas de Grouchy, Arnaldo Fabrício, Guillaume Guérante e Élie Vinet. O contraste entre os princípios humanistas dos “bordaleses”, liderados por André de Gouveia, e a visão ortodoxa defendida pelos “parisienses”, liderados por seu tio Diogo de Gouveia, viria a provocar alguns atritos. Esses atritos tornaram-se muito sérios com a morte de André Gouveia em 1548, pelo que D. João III entregou, em 1555, a gestão do Colégio das Artes aos jesuítas. Estes tinham iniciado a construção do primeiro colégio jesuíta do mundo na alta da cidade (o Colégio de Jesus, onde funciona hoje o departamento de Ciências da Terra), pelo que transferiram, em 1565, o Colégio das Artes para um edifício a construir ao lado do respetivo colégio. Com esta mudança, a Rua da Sofia perde toda a sua funcionalidade, pois todos os cursos, superiores e intermédios, passam a estar localizados na alta da cidade.

Apesar disso, os colégios da Rua da Sofia que já tinham sido estabelecidos foram-se construindo, sendo possível encontrar ainda muitos deles na atual Rua da Sofia.

Colégio Novo de Santo Agostinho (atual Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação) – 29: apesar de não se situar na Rua da Sofia, tem um impacto visual muito significativo nessa rua (fica situado a meia encosta no extremo sul da rua).

Mosteiro de Santa Cruz – 31.

Antigo Colégio das Artes, Pátio da Inquisição, Centro de Artes Visuais – 21 (de João de Ruão e Diogo Castilho, 1547).

Colégio do Espírito Santo ou de São Bernardo, privado – 22 (Claustros de Miguel de Arruda, 1541).

Colégio do Carmo – 23 (1540)

Colégio da Graça– 24 (1543, Igreja e Claustro de Diogo de Castilho)

Colégio de São Pedro, atualmente uma casa de saúde – 25 (1540)

Colégio de São Tomás, onde hoje é o Tribunal de Coimbra – 26 (Diogo de Castilho, 1543)

Colégio de São Boaventura, privado e com espaços comerciais – 27 (1543).

Os Colégios de São Tomás, de São Boaventura e de São Domingos são os únicos que foram construídos do lado poente, como reflexo do fracasso da ideia original para a Rua da Sofia.

A extinção das ordens religiosas em 1834 acabou com a existência dos colégios. Os edifícios foram incorporados no património do Estado, sendo alguns deles vendidos para vários fins.

A história da Rua da Sofia, património mundial da Unesco, é muito rica e está fortemente ligada à história da Universidade de Coimbra. Por isso, quando se discutiu a possibilidade de recuperar e revalorizar os Colégios da Sofia, num debate realizado em 1999, o então reitor, Fernando Seabra Santos, lançou a ideia de constituir na Sofia o Polo 0 da Universidade de Coimbra, transferindo para lá algumas valências universitárias. Essa seria uma forma de fomentar a gigantesca tarefa de dar um novo propósito à Rua da Sofia que, de alguma forma, recuperasse a ideia original de meados do século XVI.

Um bom exemplo, é o que tem sido feito no Colégio da Graça e que urge acelerar.

A Rua da Sofia merece, pela sua importância histórica, ser reabilitada, assim como os vários colégios que ainda existem. Faria também sentido que a sua história fosse mais visível, mais visitável e mais promovida. A história da universidade portuguesa está um pouco naquela rua, naqueles edifícios, na sua arquitetura e nas histórias que têm para contar. E se Coimbra pensasse na reabilitação histórica, monumental e funcional da Rua da Sofia, dando-lhe também uma dimensão turística relevante? Não se esqueçam que os edifícios do lado poente eram edifícios de rendimento, um propósito que pode também ser explorado transformando, de novo, a Rua de Santa Sophia num importante local comercial e económico da cidade de Coimbra. E se pensássemos nisso?

Referências

  • Rui Lobo, A Universidade na Cidade, Tese de Doutoramento, Universidade de Coimbra, 2010
  • Rui Lobo, “A Rua da Sofia em Coimbra. Um património a repensar”, Revista Proyetar la Memoria, 2014
  • Site da Universidade de Coimbra: http://www.uc.pt/ruas/inventory/mainbuildings
  • Outros links referidos expressamente no texto.